DOJ anuncia programa piloto de recompensas para denunciantes no âmbito corporativo
Resumo
Novidade: Em 1º de agosto de 2024, a Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (U.S. Department of Justice ou “DOJ”) anunciou a criação do Programa Piloto de Recompensas para Denunciantes no Âmbito Corporativo (“Programa Piloto”). O Programa Piloto foi criado para recompensar denunciantes que forneçam informações a respeito de ilegalidades ocorridas no âmbito corporativo e que levem a obtenção de restituições em favor das autoridades. Em linha com o Programa Piloto, o DOJ anunciou, também, alterações à Política de Aplicação da Lei e Denúncia Voluntária no Âmbito Corporativo (“Política VSD”).
Contexto: O Programa Piloto está alinhado a programas semelhantes da Comissão de Câmbio e Valores Mobiliários dos Estados Unidos da América (U.S. Securities and Exchange Commission ou “SEC”), da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities dos Estados Unidos da América (U.S. Comodities Future Trading Commission “CFTC”) e da Rede de Aplicação da Lei a Crimes Financeiros (“FinCEN”). O Programa Piloto foi criado para “preencher as lacunas” deixadas por esses programas, focando em quatro áreas: (i) certos crimes envolvendo instituições financeiras; (ii) corrupção praticada fora dos Estados Unidos da América; (iii) corrupção praticada dentro dos Estaods Unidos da América; e (iv) fraudes relacionadas a operadores privados de planos de saúde não sujeitas às chamadas ações qui tam, fundadas na Lei de Falsas Alegações dos Estados Unidos da América (False Claims Act).
Futuro: A existência de maiores incentivos para que pessoas físicas denunciem ilegalidades ao DOJ reforça ainda mais a necessidade de empresas implementarem programas e controles internos de conformidade robustos, que incentivem os seus funcionários a fazerem denúncias através de canais internos e que permitam que alegações de atos ilícitos sejam prontamente investigadas pela empresa.
Programas de Denúncia das Autoridades Norte-Americanas
Em 1º de agosto de 2024, a Divisão Criminal do DOJ anunciou a criação do Programa Piloto para “preencher lacunas” deixadas por programas semelhantes criados pela SEC e pela CFTC após aprovação da Lei de Regulação do Mercado Financeiro dos Estados Unidos da América (Dodd-Frank Act), bem como o programa criado pelo FinCEN no começo deste ano.
O potencial de gerar grandes recompensas para denunciantes que fizessem denúncias com base nesses programas levou a um aumento exponencial de denúncias e pagamentos de recompensas desde a criação desses programas. De acordo com o programa de denúncias da CFTC, as denúncias aumentaram de 58, em 2012, para 1.530, em 2023. Desde o começo do programa, em 2010, a CFTC deu mais de 41 decisões determinando o pagamento de recompensas no valor total de aproximadamente US$ 350 milhões. Da mesma forma, desde a criação do programa de denúncias da SEC, em 2011, as denúncias à SEC cresceram de 3 mil, em 2012, para 18.354, em 2023. No total, a SEC pagou mais de US$ 1,9 bilhão em recompensas para 397 indivíduos, com quase US$ 600 milhões desse valor pago no ano fiscal de 2023 — valor este considerado o maior valor pago no período de um ano em toda a história do programa. De outro lado, no programa do FinCEN, que entrou em vigor no começo deste ano e ainda está em fase inicial, o valor das possíveis recompensas saltaram de um valor máximo de USD 150 mil para algo entre 10% à 30% das multas cobradas pelo FinCEN.
Programa Piloto: Como Funciona
O Programa Piloto é uma iniciativa da Seção de Recuperação de Ativos e Lavagem de Dinheiro da Divisão Criminal do DOJ e terá duração de três anos. O Programa Piloto está em vigor desde 1º de agosto de 2024 e autoriza o pagamento de recompensas para denunciantes que “forneçam informações originais e verdadeiras sobre condutas criminosas ... que levem à restituição maior que US$ 1 milhão considerando valores líquidos provenientes de conduta criminosa”. Além disso, o denunciante deve cooperar com as autoridades durante a investigação sobre as ilegalidades denunciadas e quaisquer ações civis ou criminais resultantes das investigações.
Nicole M. Argentieri, Procuradora-Geral Assistente do DOJ, descreveu as principais áreas de foco do Programa Piloto, cada qual relacionada a diferentes unidades da Divisão Criminal, incluindo a unidade focada na Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras dos Estados Unidos da América (“FCPA”), a unidade de Fraudes Complexas e Integridade de Mercado, a Seção de Integridade Pública e a Unidade de Fraudes no Sistema de Saúde.
Corrupção no Exterior. Denunciantes podem reportar corrupção e suborno de agentes públicos estrangeiros, incluindo violações ao FCPA, à Lei de Prevenção a Extorsão no Exterior dos Estados Unidos da América (“FEPA”) e às leis de lavagem de dinheiro dos Estados Unidos da América. Argentieri destacou casos envolvendo a emissão de títulos fora dos Estados Unidos da América, que estariam fora do escopo de programas de denúncias criados pela SEC, CFTC e FinCEN. Ela destacou, também, o potencial do Programa Piloto para fortalecer uma atuação mais próxima à recente FEPA, que criminaliza o lado de quem solicita ou recebe a propina paga fora dos Estados Unidos da América.
Instituições Financeiras. Embora ilegalidades envolvendo instituições financeiras estejam cobertas pelos programas de denúncias de outras autoridades, o Programa Piloto também se aplica a determinadas ilegalidades envolvendo essas instituições – incluindo lavagem de dinheiro, violações às regras de conformidade relacionadas à lavagem de dinheiro, registro de negócios relacionados a transferências de dinheiro e fraude --, ou, ainda, fraude ou atuação contra as agências reguladoras do sistema financeiro. Em especial, Argentieri destacou a capacidade do DOJ de processar empresas do mercado financeiro, incluindo corretoras de criptomoedas operando nos Estados Unidos da América, que não obtiveram registro perante as agências reguladoras do sistema financeiro ou que descumprem leis dos Estados Unidos da América.
Corrupção Doméstica. O Programa Piloto também está aberto a receber informações relacionadas ao pagamento de subornos ou propinas a servidores públicos dentro dos Estados Unidos da América, incluindo servidores federais, estaduais e municipais, eleitos ou indicados, bem como agentes ou funcionários de departamentos ou agências governamentais. Argentieri enfatizou que esta é uma área na qual o DOJ busca expandir a aplicação da lei, de modo semelhante à expansão, há quase duas décadas, ocorrida em relação à aplicação do FCPA.
Fraude Relacionada a Operadores Privados de Planos de Saúde. Por fim, o Programa Piloto abrange informações relativas a (i) crimes relacionados ao sistema de saúde federal e crimes relacionados, que envolvam programas de benefícios de operadores de saúde privados ou operadores não governamentais; (ii) fraudes contra pacientes, investidores ou outras entidades não governamentais no setor de saúde; e (iii) qualquer outra violação à lei federal não coberta pelo programa referente a ações qui tam da Divisão Cível do DOJ.
De acordo com o Programa Piloto, o denunciante deve fornecer informações “originais”, conforme definição do próprio DOJ. O pagamento ou não de recompensa ao denunciante fica a critério do DOJ. A recompensa pode aumentar a depender da importância das informações e do quanto as informações ajudarem nas investigações . Além disso, na tentativa de endereçar a preocupação de que programas de denunciantes poderiam enfraquecer os programas internos de conformidade, o DOJ estabeleceu que as recompensas podem aumentar caso envolva sistemas internos de conformidade ou canais de denúncia das empresas. Por outro lado, qualquer interferência nos sistemas internos de conformidade e canais de denúncias das empresas diminuirá o valor da recompensa. Entre outros critérios limitadores, os denunciantes não serão elegíveis a receber recompensas se (i) participaram significativamente na ilegalidade cometida; (ii) forem elegíveis a receber recompensa através de outro programa do governo dos Estados Unidos da América ou em programas previstos em lei, no programa qui tam da Lei de Falsas Alegações ou similares; ou (iii) obtiveram informações por ocuparem cargos nos setores de conformidade ou auditoria interna da empresa.
Como parte do Programa Piloto, o DOJ também anunciou uma alteração à Política VSD. De acordo com essa alteração, quando uma pessoa física denunciar a conduta através de canais internos de conformidade, as empresas continuam elegíveis para o programa VSD desde que a empresa apresente espontaneamente as alegações ao DOJ em até 120 dias após ter recebido as informações e antes de qualquer atuação por parte do DOJ. A apresentação espontânea pela empresa também pode assegurar a possibilidade de a empresa se valer da presunção de não persecução pelo DOJ no âmbito do programa VSD. Nas palavras de Lisa Monaco, Procuradora-Geral Assistente do DOJ, o DOJ quer promover uma cultura de “se manter à frente” no que se refere à denúncia de quaisquer ilegalidades.
Denunciantes que fizerem denúncias utilizando canais internos de suas empresas continuam podendo receber recompensas desde que enviem a sua denúncia ao DOJ em até 120 dias contados da data em que fizeram a denúncia utilizando os canais internos da empresa. Caso a empresa retalie o denunciante, a empresa pode ser impedida de receber créditos pela sua cooperação, além de poder ser acusada do crime de obstrução de justiça.
Próximos Passos
O Programa Piloto é parte de um esforço contínuo do DOJ para incentivar a denúncia voluntária de ilegalidades no âmbito corporativo. Ao contrário do programa VSD da Divisão Criminal do DOJ, entretanto, o novo programa incentiva os funcionários, e não as empresas, a denunciar possíveis ilegalidades ao DOJ relacionadas às principais áreas de prioridade de aplicação da lei identificadas pelo DOJ.
Em especial, o Programa Piloto dá forte incentivo a funcionários para que reportem a ocorrência de crimes, primeiro, às autoridades, ou, ao menos, logo após ter apresentado a denúncia através dos canais internos da empresa. Para tentar achar um equilíbrio entre esse incentivo e a promoção dos canais internos de denúncia das empresas, o DOJ enfatizou a possibilidade de o denunciante obter recompensa desde que envie as informações ao DOJ dentro de 120 dias contados da data em que fez a denúncia através dos canais internos da empresa. Destacou, ainda, que essa denúncia feita aos canais internos da empresa pode aumentar o valor da recompensa. Dessa forma, as empresas precisam manter canais internos de denúncia adequados, que incentivem a realização de denúncias internas e que permitam a rápida identificação e encaminhamento das denúncias às intâncias internas devidas. Considerando o prazo de 120 dias para se fazer apresentar espontaneamente as informações ao DOJ nos termos da Política VSD, contados da data em que feita a denúncia aos canais internos da empresa, as empresas também precisam investigar e examinar imediatamente todas as denúncias de ilegalidades reportadas por seus funcionários.
Principais Conclusões
- O DOJ continua implementando novos mecanismos para incentivar a denúncia de ilegalidades no âmbito corporativo, principalmente com relação a informações associadas às principais áreas de atenção da autoridade norte-americana. O Programa Piloto cria ferramenta considerada bem sucedida por outras agências reguladoras com programas similares.
- As empresas devem manter os seus programas de conformidade atualizados, de modo a endereçar as quatro áreas de atenção identificadas pelo DOJ, que não eram priorizadas por outros programas de denunciantes anteriores do DOJ. Considerando o prazo de 120 dias para obter benefícios com base na Política VSD, as empresas devem manter programas de conformidade aptos a identificar, investigar e responder a denúncias feitas através de canais internos imediatamente, bem como evitar quaisquer formas de retaliação contra funcionários que venham a fazer denúncias através de canais internos ou externos.
- As empresas devem, ainda, promover uma cultura que incentive denunciantes a utilizarem os canais internos da empresa diante do forte incentivo concedido pelo DOJ a funcionários para que denunciem possíveis ilegalidades primeiro às autoridades, ou, ao menos, logo após terem denunciado a ilegalidade aos canais internos da empresa. Porém, as empresas não devem impedir que funcionários forneçam informações às autoridades, tampouco que busquem proteções oferecidas pelas autoridades aos denunciantes.