
Presidente Trump suspende a aplicação do FCPA pelo DOJ e determina a preparação de novas diretrizes de fiscalização
Resumo
O desenvolvimento: Em 10 de fevereiro de 2025, o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald J. Trump, assinou decreto suspendendo a aplicação da Lei Contra Práticas de Corrupção no Exterior ("Foreign Corrupt Practices Act" ou "FCPA", na sigla em inglês) pelo Departamento de Justiça dos EUA ("DOJ", na sigla em inglês) por 180 dias e determinou que Pam Bodi, Procuradora-Geral do DOJ, estabeleça novas diretrizes de aplicação do FCPA que promovam a competitividade dos EUA. O decreto foi assinado após o memorando de 5 de fevereiro, emitido pela Procuradora-Geral do DOJ, determinando que os promotores do DOJ priorizem casos de FCPA envolvendo organizações criminosas transnacionais ("TCO", na sigla em inglês). Ambos os desdobramentos sinalizam uma mudança significativa no foco de atuação do DOJ no combate à corrupção.
O resultado: Embora mudanças nas prioridades de aplicação das leis sejam comuns com a troca de administração, o governo Trump parece pronto para uma reestruturação substancial da aplicação do FCPA pelo DOJ, possivelmente minimizando a aplicação da lei contra cidadãos e empresas dos EUA em situações que possam afetar os interesses econômicos daquele país. No entanto, ainda não está claro precisamente como as novas diretrizes de fiscalização do FCPA cumprirão os objetivos declarados pelo Presidente Trump e qual será o impacto em atuais e futuras investigações e ações envolvendo a aplicação do FCPA pelo DOJ.
O futuro: O FCPA, assim como leis de combate à corrupção em outros países, continuam em vigor e inalterados. Enquanto esperam pelas novas diretrizes de fiscalização da Procuradora-Geral do DOJ, empresas e pessoas sujeitas a essas leis devem continuar cumprindo as obrigações aplicáveis ao combate à corrupção. Seguindo em frente, a determinação de novas diretrizes de aplicação do FCPA pelo DOJ, a revogação da suspensão da aplicação da lei e quaisquer desdobramentos relevantes em outras jurisdições serão uma oportunidade para que empresas reavaliem seus riscos de combate à corrupção e ajustem seus programas de conformidade em linha com as novas realidades.
O DOJ recebeu ordens para suspender a aplicação do FCPA por 180 dias e fixar novas diretrizes de fiscalização para priorizar os interesses dos EUA
Fundando-se na necessidade de restringir a aplicação "excessivamente ampla" do FCPA, que vinha prejudicando os interesses econômicos dos EUA, em 10 de fevereiro de 2025, o presidente dos EUA, Donald J. Trump, suspendeu a aplicação do FCPA pelo DOJ, por 180 dias, através de um decreto intitulado "Suspensão da aplicação da Lei contra Práticas de Corrupção no Exterior para promover a segurança econômica e nacional dos EUA". Embora a suspensão da atuação do DOJ seja importante, o FCPA é uma lei válida e, como tal, continua a impor obrigações de conformidade para empresas e indivíduos sujeitos à jurisdição dos EUA. O decreto assinado pelo Presidente Trump não fornece nenhuma garantia de leniência, tampouco de imunidade judicial, a empresas ou indivíduos que violem o FCPA durante o período desta suspensão.
O decreto determina que, por um período de 180 dias, a Procuradora-Geral dos EUA:
- Suspenda o início de novas investigações ou ações fudadas no FCPA;
- Revise todas as investigações e ações fundadas no FCPA existentes e adote medidas para "restaurar os limites adequados de aplicação do FCPA"; e
- Fixe novas diretrizes para aplicação do FCPA que "promovam a autoridade do Presidente nos termos do Artigo II, para conduzir relações exteriores e priorizar os interesses americanos, a competitividade econômica americana com relação a outros países e o uso eficiente dos recursos federais para a aplicação da lei".
O decreto autoriza a Procuradora-Geral dos EUA a prorrogar o período de revisão por mais 180 dias, "conforme a Procuradora-Geral entender apropriado". Depois do período de revisão e da fixação de novas diretrizes, todas as investigações e ações futuras deverão obedecer às novas diretrizes e devem ser "especificamente autorizadas" pela Procuradora-Geral.
Além disso, após a publicação das novas diretrizes, a Procuradora-Geral avaliará se quaisquer "ações adicionais" são apropriadas, incluindo ações para "remediar" investigações e ações passadas fundadas no FCPA consideradas "inadequadas". O decreto não exige o uso de critérios específicos ou outras informações para determinar a adequação de uma investigação ou ação específica, embora seja razoável antecipar que esses critérios, pelo menos em parte, se relacionarão com as considerações estabelecidas na seção "Finalidade e Política" do decreto assinado pelo Presidente Trump. Os critérios podem incluir, dentre outros, uma avaliação se a investigação ou ação em questão teria "obstruído os objetivos da política externa dos Estados Unidos" ou prejudicado, indevidamente, a competitividade de empresas dos EUA por meio de aplicação do FCPA em relação a "práticas comerciais rotineiras" ou situações similares.
Em Nota Técnica relacionada ao tema, publicada pela Casa Branca no mesmo dia, o governo Trump explicou a fundamentação do decreto, afirmando que "as empresas dos EUA são prejudicadas pela aplicação excessiva do FCPA porque são proibidas de se envolver em práticas comuns entre concorrentes internacionais, criando um campo de atuação desigual". O decreto citou, especificamente, a importância de empresas dos EUA "obterem vantagens comerciais estratégicas" com relação a "minerais essenciais, portos de águas profundas [e] outras infraestruturas ou ativos importantes".
Antes da suspensão, o DOJ declarou que concentraria a aplicação do FCPA em cartéis e TCO
O decreto do presidente veio poucos dias após o próprio DOJ ter anunciado uma mudança nas suas prioridades em relação a ações de combate à corrupção. Em 5 de fevereiro de 2025, apenas um dia após ter sido confirmada pelo Senado dos EUA, a Procuradora-Geral, Pam Bondi, emitiu um memorando direcionado a todo o DOJ intitulado "Eliminação total de cartéis e organizações criminosas transnacionais", que instruía os promotores da Unidade de FCPA da Selçao de Fraudes do DOJ a priorizar casos envolvendo TCO e cartéis, tais como casos envolvendo "suborno de autoridades estrangeiras para facilitar o contrabando de pessoas e o tráfico de narcóticos e armas de fogo", e a "reorientar o foco de investigações e casos que não tenham essa conexão". Esta mudança de prioridade representa um afastamento considerável da prática de aplicação do FCPA até então vigente, uma vez que, historicamente, são raros os casos da FCPA envolvendo cartéis e TCO.
O memorando também ampliou o número de departamentos do DOJ autorizados a investigar e processar esses casos. Para todos os assuntos relacionados a suborno internacional associado a cartéis e TCO, a competência para conduzir investigações e iniciar processos fundados no FCPA e na Lei de Prevenção de Extorsão Estrangeira ("FEPA", na sigla em inglês) não está mais limitada exclusivamente à Seção de Fraudes do DOJ, e a autorização da Divisão Criminal tampouco é mais necessária. Os promotores federais dos EUA estão agora autorizados a conduzir essas investigações e iniciar processos criminais, desde que avisem a Seção de Fraudes com 24 horas de antecedência. Com isso, de agora em diante, os promotores federais espalhados pelos EUA podem investigar casos de FCPA e FEPA que estejam associados a cartéis e TCO, enquanto a Unidade de FCPA da Divisão Criminal manterá a sua competência exclusiva para conduzir os demais casos envolvendo o FCPA e o FEPA.
Essas mudanças ficarão em vigor por um período de 90 dias, e poderão ser renovadas ou efetivadas de acordo com o juízo de conveniência da Procuradora-Geral e do Procurador-Geral Adjunto do DOJ.
Próximos passos para empresas e indivíduos sujeitos ao FCPA
Embora o decreto e o memorando sinalizem mudanças de longo prazo na aplicação do FCPA, não se sabe, por ora, qual será o impacto destas medidas sobre as investigações e casos envolvendo empresas iniciados no passado, em andamento e futuros fundados no FCPA.
Como observado acima, o FCPA permanece válido, sendo apenas uma das muitas leis de combate à corrupção às quais empresas, seus funcionários e agentes podem estar sujeitos ao redor do mundo. As empresas listadas em bolsa nos EUA ou obrigadas a submeter formulários à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA ("SEC") continuam sendo obrigadas, nos termos do FCPA, a manter livros, registros e controles internos, bem como prestar contas aos seus auditores externos. Além disso, as políticas corporativas e códigos de conduta também definem expectativas e regras em relação à conduta ética de executivos, funcionários e agentes — não sendo, apenas, uma questão de conformidade com a lei, mas também de promoção de comportamentos responsáveis e cumprimento de objetivos importantes de construção de cultura corporativa.
Em razão disso, empresas sujeitas ao FCPA devem continuar cumprindo as suas obrigações de conformidade anticorrupção e não devem interpretar o decreto e o memorando como um convite para deixar de priorizar os esforços em relação ao cumprimento do FCPA, especialmente porque as prioridades na aplicação da lei estão sempre sujeitas a modificações e ajustes adicionais na aplicação do FCPA podem mudar nesta e em futuras administrações. Isso é especialmente importante porque a prescrição para violações ao FCPA é de, no mínimo, cinco anos. Portanto, violações recentes e continuadas ao FCPA podem estar sujeitas à investigações e ações iniciadas após o período de suspensão ou durante o próxima governo.
Em razão da ênfase do decreto na promoção dos interesses dos EUA e da competitividade das empresas daquele país, empresas e indivíduos baseados fora dos EUA, porém sujeitos à jurisdição do FCPA, particularmente, podem enfrentar maior escrutínio do DOJ daqui em diante. Isso também é válido com relação à aplicação, pelo DOJ, da FEPA, cujo alvo são autoridades governamentais estrangeiras que exigem ou aceitam propinas. Além disso, o maior foco do DOJ em cartéis e TCO tanto no memorando, como em geral, pode levar a um maior escrutínio de empresas e indivíduos norte-americanos e estrangeiros mais propensos a interagir com eles (direta ou indiretamente), como empresas nos setores de energia, alimentos e bebidas, infraestrutura, telecomunicações e serviços públicos.
Deve-se notar, também, que as recentes medidas tomadas pelo Poder Executivo dos EUA não impactam diretamente as prioridades de aplicação de leis anticorrupção da SEC, que detém competência para a aplicação do FCPA no âmbito cível, contra emissores de títulos nos EUA, incluindo as disposições sobre livros, registros e controles internos. De fato, até o momento, a SEC não anunciou nenhuma alteração em suas prioridades de aplicação do FCPA. Estas medidas tampouco impactam a aplicação de leis anticorrupção por autoridades estrangeiras, como o Serious Fraud Office do Reino Unido. Portanto, empresas sujeitas a leis anticorrupção no âmbito nacional e internacional devem permanecer vigilantes e assegurar que os seus programas de conformidade tratem adequadamente das mudanças nas prioridades e práticas de aplicação das leis.
Três principais conclusões
- A suspensão da aplicação do FCPA pelo DOJ por um prazo mínimo de 180 dias, período durante o qual a Procuradora-Geral analisa as ações existentes fundadas naquela lei e desenvolve novas diretrizes de aplicação da lei é um desdobramento significativo e sinaliza que, provavelmente, ocorrerão ajustes de longo prazo na aplicação do FCPA.
- O FCPA, no entanto, permanece sendo uma lei válida e uma "suspensão" na sua aplicação, pelo DOJ, não deve ser interpretada como um abandono de sua apliação. Segundo a Procuradora-Geral do DOJ, as novas diretrizes de aplicação do FCPA trarão maior clareza quanto a sua aplicação após o fim da suspensão e, enquanto isso, a SEC continua detendo competência para aplicar o FCPA no âmbito cível, bem como os esforços de combate à corrupção por parte de autoridades estrangeiras não foram afetadas.
- Portanto, empresas e indivíduos sujeitos ao FCPA devem continuar cumprindo as suas obrigações em relação às leis anticorrupção aplicáveis e estar preparadas para ajustar os seus programas e práticas de conformidade à medida que ocorrerem novos avanços nessa área.